sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Sartre e "O momento da decisão"

Trechos do artigo de JONATHAN CROWE:
Foto: CLARA PRIMA/AFP
Monte Merapi em erupção.
O vulcão conhecido como "Montanha de Fogo" é o mais ativo da Indonésia.

"O momento da decisão desempenha um papel central na filosofia de Sartre. Ele o apresenta como o traço definidor da experiência humana. Em O Ser e o Nada, Sartre estabelece uma distinção entre dois modos básicos de existência: o ser-em-si e o ser-para-si. O primeiro é um objeto não consciente, que pode ser definido em termos de uma essência ou função predeterminada. Objetos inanimados, tais como livros e bolas de futebol, estão nessa categoria. O ser-para-si, ao contrário, é um agente ou pessoa consciente capaz de perceber e refletir sobre o mundo ao seu redor. Sartre sugere que, longe de possuir uma essência predeterminada, ele é permanentemente assombrado pela possibilidade do “nada” ou da negação. Em outras palavras, o ser-para-si é forçado a enfrentar continuamente a possibilidade de que as coisas possam ser diferentes do que são.
(...)
Em nossa vida cotidiana, sustenta o filósofo, nos envolvemos constantemente em indagações sobre o mundo que nos rodeia: perguntas sobre a existência de Deus ou sobre onde largamos as chaves do carro colocam certos aspectos de nossa existência em xeque. Uma vez que a resposta a essas questões seja negativa, parece-nos que nosso lugar no mundo não é necessário, mas contingencial.

Segundo Sartre, o sentimento de contingência permeia a experiência humana da escolha. Por mais certeza que tenhamos sobre uma determinada decisão, temos consciência, não obstante, de que outra alternativa seria possível. Uma vez que cada caminho está cheio de possibilidades, parece que não podemos deixar de aceitar a responsabilidade sobre nossas escolhas. Sartre argumenta que esse sentimento de responsabilidade inescapável tende a provocar angústia.

Imagine que está caminhando por uma trilha estreita na beira de uma montanha. Você está permanentemente consciente da importância de pisar com cuidado. Ao mesmo tempo, também está ciente de que, apesar do cuidado e da atenção, seria muito fácil se jogar no precipício. Sartre mostra que a existência humana está cheia desses momentos que podem potencialmente alterar a vida. No espaço de um instante, seria possível jogar seu carro na contramão ou fazer um comentário que afastaria para sempre uma pessoa querida.

Para Sartre, a vida humana envolve uma inevitável percepção dupla. Em primeiro lugar, as possibilidades de alternativas presentes na minha experiência de escolha me revelam que sou livre. Simultaneamente, também estou consciente de que sou responsável, uma vez que sou confrontado com a aparente ausência de restrições a exercícios potenciais, significativos da minha liberdade. Independente de eu caminhar calmamente ao longo da beirada ou de me jogar de cabeça no abismo, a decisão cabe somente a mim.

Sartre argumenta que, para viver uma existência autêntica, os seres humanos
devem abraçar o sentimento simultâneo de liberdade e responsabilidade que está no cerne de suas vidas. Eles devem reconhecer que o tipo de pessoa que vêm a ser, longe de ser ditado por forças externas, é resultado da vida que decidem levar.
Para o ser-para-si, na famosa definição de Sartre em O Existencialismo é um Humanismo, “a existência precede a essência”. Nossas características pessoais não são necessárias ou fixas, mas fruto de nossas escolhas.

Viver uma vida autêntica é um desafio. É tentador esquivar-se da responsabilidade por nossas escolhas, atribuindo-a a aspectos inatos de nosso caráter ou a forças externas avassaladoras. Sartre descreve esse tipo de atitude como formas de má-fé. Qualquer tentativa de negar a nossa capacidade de moldar nossas vidas por meio de nossas escolhas é uma forma de autoengano, “uma mentira para si mesmo”.

Sartre observa que, quando pedem conselhos sobre uma decisão moral difícil, as pessoas muitas vezes já decidiram o que fazer.
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Não são apenas os juízes que se escondem por trás das normas escritas quando tomam uma decisão difícil ou impopular. Patrões a burocratas, policiais e juízes, fazem-no com frequência. De acordo com Sartre, essa recusa em aceitar a responsabilidade por suas decisões é uma forma de má-fé. Regras e políticas podem estabelecer diretrizes para as nossas ações, mas elas não determinam e nem podem determinar nossas escolhas. Cabe somente a nós, como agentes livres e responsáveis, fazer isso.
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A estratégia do vacilante é adiar o momento da decisão pelo maior tempo possível. Sartre discute um exemplo semelhante de má-fé em O Ser e o Nada. O caso diz respeito ao que se passa com uma mulher num primeiro encontro. O homem flerta com ela a noite inteira, fazendo comentários do tipo “Acho você tão atraente!”. Porém, a mulher opta por interpretá-los como elogios à sua personalidade, e não a seus atributos físicos.

Por fim, o homem pega na mão dela. Este é o momento da decisão, quando ela deve escolher se vai retribuir aos avanços ou não. A mulher, no entanto, não quer reagir, pois teria de ferir os sentimentos do candidato ou admitir a reciprocidade da atração. Ela então simplesmente deixa a mão lá – como uma “coisa”, nas palavras de Sartre – fingindo não perceber. Sua reação é ignorar a situação e esperar que ela acabe. De acordo com Sartre, ela age de má-fé, presa em uma mentira para si mesma.
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Suponha que uma pessoa que se comportou mal diga: “Me desculpe, eu sou apenas uma pessoa má.” Essa confissão é para ser aplaudida? Sartre não pensa assim. Esse pretenso “campeão da sinceridade” parece estar confessando seus defeitos, mas na verdade tenta evitar a responsabilidade por seu comportamento.

Seu comentário de que é “uma pessoa má” trata seu caráter como imutável, como se tivesse nascido mau e não pudesse fazer nada a respeito. Ao mesmo tempo, ele tenta se valorizar diante dos outros sendo sincero sobre seus próprios defeitos. Procura transformar sua má conduta em um emblema de honra."

Um comentário:

  1. ah, a escolha... pessoal e intransferível... dita o rumo...
    texto muito bom, simsim!!Tá mais que roubado! =)
    Obrigada pelas palavras madrugueiras e pelo sensacional café colomba de minutos atrás... vc é sensacional, minha querida!!!
    Boa sorte na, enfim, Orca...hehehe!!!
    beijotémaistardinha!
    Iza.

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