domingo, 11 de julho de 2010

Tête-à-Tête: burguesia...

"Com algumas reservas - ela tinha propensão a enjoo marítimo e lágrimas -, Beauvoir aceitava o extremo voluntarismo de Sartre. Como diz em suas memórias, nada os obrigava a ver as coisas de outra maneira. Eram jovens, saudáveis, com muito tempo livre e dinheiro suficiente para fazer o que quisessem. Como filósofos, estavam convencidos de que avaliavam o mundo com um olhar isento, objetivo.

Beauvoir recorda uma discussão acirrada no Café Balzar entre Sartre e seu amigo filósofo Georges Politzer. Judeu húngaro que emigrara para a França aos 18 anos, Politzer era muito mais consciente politicamente que Sartre. Mostrava que Sartre era em tudo produto da burguesia francesa. Sartre dizia que aquilo era um absurdo. Desprezava a burguesia. Um intelectual podia transcender ideologias de classe e ele mesmo fizera isso. Sua simpatia ia para a classe trabalhadora. Sentia-se mais confortável no meio do povo. Politzer discordava. "A cabeleira ruiva de Politzer brilhava como fogo, e dele saía uma torrente de palavras", diz Beauvoir, "mas ele não convenceu Sartre."

Nos dez anos seguintes, Sartre e Beauvoir continuaram acreditando numa liberdade individual quase absoluta. Foi preciso a catástrofe da Segunda Guerra Mundial (em que Politzer, um corajoso lutador da Resistência, foi torturado e morto pela Gestapo) para fazê-los descobrir a história. Finalmente entenderam que era precisamente por pertencerem à burguesia privilegiada que conseguiram alimentar durante tanto tempo aquela grande ilusão."

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