quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Diários de Bicicleta - Intro


"Esse ponto de vista - mais rápido que uma caminhada, mais lento que um trem e muitas vezes ligeiramente mais elevado que o de uma pessoa - passou a ser minha janela panorâmica em grande parte do mundo ao longo dos últimos trinta anos - e continua sendo. Uma janela enorme e geralmente com vista para um cenário urbano. (Não sou nenhum corredor ou ciclista esportivo). Através dela, eu acompanho fragmentos de como são as mentes das outras pessoas, que se expressam em meio às cidades onde elas vivem. Concluí que as cidades são manifestações físicas das nossas crenças mais profundas e de pensamentos muitas vezes inconscientes, não tanto como indivíduos, mas como os animais sociais que somos. Um cientista cognitivo só precisa analisar o que nós construímos - as colmeias que criamos - para saber o que se passa pelas nossas cabeças e aquilo a que damos importância, além da forma como estruturamos esses pensamentos e crenças. Está tudo lá, escancarado, a céu aberto; você não precisa de tomografias e estudos antropológicos para mostrar o que se passa dentro da mente humana; esses processos internos se manifestam em três dimensões bem à nossa volta. Às vezes, a facilidade com que é possível identificar os nossos valores e sonhos chega a ser embaraçosa. Eles estão bem diante dos nossos olhos - em vitrines, museus, templos, lojas, prédios de escritório e nas formas como essas estruturas se correlacionam - ou não. Com uma linguagem visual singular, todas essas coisas dizem: "Isto é o que importa para nós e é assim que vivemos e nos divertimos". Andar de bicicleta através disso tudo é como navegar pela rede neural de uma vasta mente global. É uma verdadeira jornada pela psique coletiva de um grupo compacto de indivíduos. Como em A viagem fantástica, mas sem os efeitos especiais vagabundos. Você pode sentir o cérebro coletivo - feliz, cruel, traiçoeiro e generoso - em plena atividade. Variações infinitas de situações familiares se repetem e retornam: casos de triunfo ou melancolia, esperança ou resignação, mudanças em eterno desdobramento e multiplicação."

Trecho da introdução de "Diários de Bicicleta" - de David Byrne (pág 14/15).

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